quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Matéria-Prima


A honestidade é um valor absoluto?

Não para Willie Stark (Broderick Crawford) no filme “A grande ilusão” de 1949, dirigido por Robert Rossen. Caipira do interior dos Estados Unidos, Stark almeja um cargo eletivo para poder ajudar a população pobre. Jogando limpo, com discursos técnicos sobre os reais problemas sociais, não consegue mais que uns gatos pingados a lhe apertar a mão. Aos poucos, e conscientemente, vai abrindo mão do jogo honesto, com a justificativa da luta pelo bem social. Porém, o desvio é cada vez maior, e o objetivo se perde, tornando-se uma mera luta pelo poder.

É a trajetória, acompanhada pelo jornalista Jack Burden (John Ireland), de um honesto caipira que se transforma num político corrupto e populista, enquanto vai corrompendo e destruindo a vida de todos à sua volta, inclusive da namorada e amigos de Burden.

Ótimo roteiro, que consegue, em pouco menos de duas horas, apresentar de forma crível e bem desenvolvida a gradual transformação de Willie Stark. Não se pode deixar de elogiar, também, a ótima atuação de Crawford, convincente como caipira e como governador.

Apesar de filmado em 1949, o filme continua incrivelmente atual aqui em terras tupiniquins.

Leva-nos a questionar de onde vem a corrupção política? Por que tanto político corrupto no Brasil? De onde eles vêm? Não são alienígenas...

São pessoas dos mais diversos extratos sociais, desde operários nordestinos a professores da Souborne; mas por que nenhum dá certo? Por que nenhum político presta? De onde eles vieram? Do Brasil, onde é comum baixar ilegalmente músicas na “internet”, comprar devedê no camelô; usar “software” pirata; furar fila na balada; jogar papel no chão; ultrapassar limite de velocidade; sonegar imposto...

Políticos não vão salvar este país, e nem é essa a função deles, eles são nossos representantes. E nós somos exatamente isso o que eles representam.

Como Willie Stark, que começa desrespeitando a lei para ajudar os pobres, todos têm justificativas para infringir as regras. Você tem, os bandidos têm, os políticos têm. Aí, ser ou não válida essa justificativa é outro problema, pois a questão torna-se subjetiva.

Para se viver em sociedade é necessário o respeito mútuo, e uma certa limitação da liberdade individual. Como isso é feito? Através de regras. E temos a lei. Sem as regras, que nós mesmos criamos, direta ou indiretamente, não é possível uma sociedade harmônica; o que acaba por minar essa própria sociedade.

Se existe uma lei que proíbe determinando comportamento, por mais inofensivo que seja a infração, a regra deve ser respeitada. É um critério objetivo: "não posso porque não posso". A partir do momento que um indivíduo descumpre uma regra, por mais nobre que seja a sua justificativa, há um abalo num pilar fundamental da sociedade. Cada uma que infringe uma regra, do cara que compra cedê pirata porque o preço do original é um absurdo ao parlamentar que legisla mediante suborno, todos têm uma justificativa, todos agem conforme seus valores, e isso é subjetivo. Esse é o problema desse país. Uma síndrome de "Robin Hood", seja em benefício próprio ou de terceiros. Temos uma falha no nosso caráter: o desrespeito às regras.

Se a regra é injusta, ela tem que ser mudada, não ignorada. Mas, enquanto regra, ele tem que ser respeitada. Mobilize-se e mude a lei da qual você discorde, que seja a que proíbe a venda de cedê pirata!

Enquanto a sociedade não se conscientizar, ela vai continuar produzindo político corrupto, policial corrupto, juiz corrupto, médico corrupto, pipoqueiro corrupto, catador de latinha corrupto. Nós somos a matéria-prima.

Voltando ao filme, é por isso que eu o recomendo: É uma história sobre político corrupto, é uma história sobre você.

Matéria-Prima: matéria bruta com que se fabrica ou elabora algo (Dicionário Houaiss)

(A Grande Ilusão/All the King’s Men – EUA/1949/Drama/109′ - Um filme de Robert Rossen - com Broderick Crawford, John Ireland, Joanne Dru)

P.S.: Cuidado: refilmaram esta história em 2006 com um excepcional elenco, mas, parece-me, a qualidade não é a mesma.

2 comentários:

Anônimo disse...

Rogério, você é um crítico pronto. Depois de ler a sua pauta, interessou-me o que você disse: De onde vem esses políticos corruptos? Eles não pregavam honestidade? Por quê eles mudam, aceitam? Os corruptos são tão bacanas assim? Vale a pena ser amigos deles? E quem acerta os erros, por quê são marginalizados pelo poder? Interessante. Gostei.
Abraço
Akio

Rogério Faria disse...

É, Akio...

Este é um dos assuntos que mais me interessa ultimamente. A corrupção não é inerente à política, é inerente ao nosso povo. O que é mais relevante ainda neste ano de eleição. Pretendo tratar mais do assunto.

Abraço.

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