quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Tropa da Elite


(vou falar sobre elementos que podem estragar a surpresa de quem ainda não assistiu)

Fiquei deprimido após assistir ao "Tropa de Elite".

Como filme, a obra é excelente. Os atores estão ótimos. O roteiro desenvolve a história muito bem. E a linguagem documental (planos longos, iluminação natural) da filmagem acrescenta ainda mais realidade. Sem contar a edição. O diretor, José Padilha, (o mesmo do "Ônibus 174") reuniu aqui a mesma equipe que fez "Cidade de Deus": roteirista, preparadores de atores, editores; não quis arriscar.

Mijei cinco minutos antes do filme começar. Apagadas as luzes, a bexiga psicológica ativou. Ficava torcendo para o filme acabar logo e poder ir ao banheiro. Porém, lá pelo meio da sessão, no começo do treinamento, esqueci-me da frescura e fui conquistado pela narrativa.
E o filme é chocante, não há como negar. Todo o mundo que lhe assiste, sai com uma opinião. Ninguém fica indiferente.

Padilha, inicialmente, pensava em fazer um documentário sobre o BOPE - Batalhão de Operações Especiais da polícia do Rio de Janeiro. Mas, devido a dificuldades encontradas, preferiu ficar na ficção. Como a intenção era apresentar o BOPE, a história é contada do ponto de vista dos policiais. Não é o ponto de vista do roteirista, do diretor ou do Wagner Moura.
O resultado, ainda mais na atual estagnação racional da sociedade moderna, foi além de uma obra de entretenimento, foi além de uma obra de discussão social, tornou-se uma experiência sociológica. Como já li em algum lugar: o filme é um espelho mostrando à nossa sociedade (nós mesmos) o quanto ela feia.

Tornar o Capitão Nascimento um novo herói nacional mostra o fundo do poço (moral e intelectual) ao qual estamos chegando. Claro, não se deve se conivente com a bandidagem, com o tráfico e tudo mais. Bandido, mau ou bonzinho, é bandido e tem que pagar, CONFORME A LEI.

Achar que subir o morro e dar tiro na cara dos marginais vai resolver o problema de violência neste país é muita ignorância. Em dados apresentado na edição da semana passada da Carta Capital, no Rio de Janeiro, no primeiro semestre deste ano, foram mortos 694 civis por policiais, por supostamente resistirem à prisão. É o maior número do país. No entanto, é o Estado que registra um dos maiores índices de violência. Não é contraditório? Se estão matando os bandidos, conforme o Capitão Nascimento prega, como é que a criminalidade continua aumentando???

Na primeira metade, acompanhamos a narrativa do ponto de vista do Capitão Nascimento, casado, com síndrome do pânico, esperando o filho, com sentimento de remorso por ter influenciado na morte de um fogueteiro, conhecemos Neto e Matias, dois jovens honestos que querem fazer a coisa certa. O Matias, ainda, ajuda uma ONG, está tentando conquistar uma gatinha, quer se formar em direito. Somos seduzidos pelos personagens. Acabamos por nos identificar com eles.

Então, na segunda metade do filme, seduzidos pelo Capitão Nascimento, nós nos INSCREVEMOS no treinamento do BOPE, assim como o Matias e Neto. A partir daí, os valores morais e o senso crítico vão para o ralo.

Apesar do filme ser o ponto de vista do BOPE, os autores acabam por colocar lá um pouco da própria opinião. Vejamos:

Primeiro: o Capitão Nascimento começa como um futuro pai de família, a esposa o ama, ele quer sair do BOPE em razão do perigo, para cuidar do filho. Ele termina abandonado pela esposa, com síndrome do pânico. E, só para mostrar o quanto o personagem é incoerente e falível: na primeira metade ele fica com remorso por ter causado a morte de um fogueteiro ao fazê-lo entregar um traficante. Quase para o final do filme, ele faz a mesma coisa com outro garoto (o qual entrega o Baiano), que, até então, não tinha nada a ver com a história.

Segundo: Matias começa como um jovem honesto, idealista, tímido (é só ver a discussão na sala de aula), com uma bela paquera. Termina estúpido, sem namorada, sem amigos.
Terceiro: Neto surge como um jovem honesto, idealista. Acaba morto.

Os três personagens principais do filme se ferram. Os autores não são coniventes com as atitudes dos personagens.

O que vai reduzir a criminalidade neste país, não é só policial no morro. Nem só a prisão dos bandidos, tanto os pobres quanto os colarinhos branco. Nem só a diminuição da desigualdade social. O que vai acabar, não só com a criminalidade neste país, mas com as mazelas em geral é uma sociedade menos alienada. E isso não se dá simplesmente "colocando no saco..."

sábado, 27 de outubro de 2007

Arquivo X


Pantanerada, vou aproveitar esse espaço para resgatar os causos da turma e, quem sabe, se não der preguiça, e eu não achar nada melhor pra fazer, colocar novos. Relembrando que são todos casos reais, ao melhor estilo "Supercine".

Este que segue abaixo foi publicado na edição 6 do "Caderno Mensal Nascentes" de março de 2001.

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Paraibuna, 22h47min.

Rogério ia embora para sua casa. Tinha acabado de se despedir do Claudinho, com quem estava na rua.

Ao olhar para o céu, ficou espantado. Estava nublado, nenhuma estrela, mas não era clima de chuva... e, nas nuvens, duas luzes dançavam, como se houvesse algo grandioso sobre elas, algo não deste planeta...


ARQUIVO X

Foi há sete anos, num sábado. Quem ia ao baile daquela noite, via Rogério e Claudinho correndo pela avenida. Rogério não poderia deixar de chamá-lo, estava entorpecido pela visão.

Quando Claudinho pode ver as luzes, ficou bobo, mais ainda. Pelo tamanho das luzes calculavam que as naves eram gigantescas. E a velocidade com que se moviam, levava a concluir que eram de uma tecnologia realmente muito avançada. Enfim descobriam que não estavam sós no universo. Mas - se perguntavam - tinham vindo em paz, ou não?

Aquela noite não conseguiram dormir, estavam cheios de questões. Como seria o dia seguinte? Seriam mesmo extraterrestres? Se não, o que seriam aquelas luzes? Que tecnologia humana seria capaz de produzi-las? Um canhão laser? É... Era um canhão laser! Uma nova casa noturna inaugurava em Taubaté e usava da, então, novidade, projetando raios de luz nas nuvens, como noticiava o jornal no dia seguinte.

Frustrante para os caçadores de holofotes.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Triste figura


"O Engenhoso Fidalgo D. Quixote de La Mancha" conta a cômica história de um fidalgo que, de tanto ler romances de cavalaria, fica louco, e resolve sair pelo mundo como cavaleiro andante, com seu fiel escudeiro, em busca de aventuras. O primeiro volume, escrito por Miguel de Cervantes há pouco mais de 400 anos, é considerado a obra inaugural do romance ocidental moderno. É tido por muitos críticos como o maior romance já escrito.

Na quarta capa da edição da Editora 34, Dostoiévski afirma que D. Quixote é a mais grandiosa e acabada expressão da mente humana. Depois de quase 700 páginas de uma leitura nada mais que aprazível, entendi o que ele queria dizer. Apesar de achar que não compartilhamos (Dostoiévksi e eu) da mesma visão da humanidade.

Quase para o final do livro, D. Quixote, louco, é preso por amigos em uma frágil jaula, para que possa ser levado de volta à sua casa. No intento de impedir-lhe a fuga, esses amigos inventam que a jaula é encantada, assim, o cavaleiro não poderia escapar. Seu fiel escudeiro resolve, então, alertá-lo de que não há feitiço algum, e que D. Quixote poderia escapar quando quisesse. Daí, surge o discurso mais importante deste primeiro volume das aventuras do Cavaleiro da Triste Figura: "Eu sei e tenho para mim que estou encantado, e isto basta para a segurança da minha consciência, e muito a carregaria se eu pensasse que não estou encantado e me deixasse estar nesta jaula preguiçoso e covarde, negando o socorro que poderia dar a muitos desvalidos e necessitados que, ora agora, devem ter precisa e extrema necessidade da minha ajuda e amparo.” (pp. 681 e 682)

Aqui se desfez aquele virtuosismo com o qual o personagem foi para mim apresentando e representado durante todos esses anos. Vi em D. Quixote o egoísmo humano. Realmente, o que considero a condição humana.

No início do livro, o fidalgo não sentia fome, não sentia tristeza, não tinha obrigações, nem de padre, nem de barbeiro, nem de nada, tinha um vazio. Por não acreditar na vida que se dá, inventou uma vida.

Tendo uma boa condição, o que ele fez durante toda a sua vida, até então, para ajudar a humanidade? Nada. Gastou dinheiro e tempo lendo romances de cavalaria.

As pessoas morriam de fome. Os desvalidos eram injustiçados. As donzelas eram violadas.

De repente, fica louco e resolve ajudar a humanidade. Como? Da maneira mais inútil possível.

As pessoas continuam morrendo de fome. Os desvalidos continuam injustiçados. As donzelas continuam a ser violadas. D. Quixote só traz o humor a temperar.

Ele sai pelo mundo fazendo aquilo que quer que seja o certo. Nessa visão egoísta, muita coisa errada é feita, muita gente é prejudicada.

Assim caminha a humanidade. Cada quixote ocupa-se com os seus próprios moinhos de vento, seus próprio valentes biscainhos, seus próprios magos Frestão. Desta forma, tem a sua consciência confortada enquanto vê uma criança morrendo de fome, um idoso na fila do hospital, troca de tiro na favela.

O quixote foge do seu papel social, foge das suas responsabilidades. Fecha-se no seu mundo. E não adianta discutir, ele não quer ouvir. É um covarde. Não há raciocínio. Mesmo que veja, mesmo que tudo esteja claro à sua frente, ele inventa uma interpretação atabalhoada, na qual ele vai acreditar, pouco importando o que os outros pensam. E quem pensar diferente, pouco importa o argumento, é louco, é mentiroso, é inimigo. A realidade é moldada àquilo que o quixote quer que seja.

Essa é a grandiosa e acabada expressão da mente humana representada no livro, no personagem. Não um valente e ingênuo homem contra o invencível mal no coração dos homens, mas o próprio mal do coração dos homens.

Agora, tenho que ler de novo as anteriores quase 700 páginas, com esses novos olhos.

E aguardar o segundo livro na tradução da mesma editora, que ainda não saiu.

- Cervantes Saavedra, Miguel de, O engenhoso fidalgo D. Quixote de La Mancha, Primeiro Livro; tradução de Sérgio Molina; gravuras de Gustave Doré. - São Paulo: Ed. 34, 2002. 736p.
- Dom Quixote e Sancho Pança, de Pablo Picasso, 1955.

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