quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Um jogo de você

Ele chegou no fim da festa. Oito pessoas ainda dançavam num salão vazio ao som de um rock qualquer. Definitivamente, não estava sendo um sucesso.

Mesmo com tanto espaço, eles se esbarraram, logo na primeira lata. Ela, linda. Ele, bobo. Era o que bastava. Ainda procurava por um plano quando a banda anunciou a saideira. Só tinha mais uns cinco minutos. Não dava tempo para bolar nada. Fez o melhor que pôde:

- Oi! Quero te beijar.

O plano fora um fracasso. Ao menos naquela noite. Semanas depois, o resultado foi diferente.

Então, o jogo teve início. Inconscientemente, eles acertaram as regras: quando ele a cortejasse, ela recuaria às investidas, até que ele cessasse; aí, o cortejo competiria a ela, até que ele cedesse e reiniciasse as investidas, quando, novamente, ela recuaria. O jogo termina quando nenhum dos dois recuar mais, ou quando ambos recuarem.

Simples assim. Basta ficar atento.

Há dois meses, alguma coisa mudou para ele. Jogava, no ataque, depois de ter passado o mês anterior a evitando, mas não estava mais ali por esporte.

Até que, numa noite como todas as outras, ela lhe deu mais um fora. E, novamente, os papéis se inverteram. E ele fugiu.

Na quarta-feira, ela o procurou - era mesmo a vez dela. Ele lhe disse que havia sido internado numa clínica para pessoas viciadas nela, estava sob tratamento. Não podiam mais se falar. Claro que ela achou engraçado.

Assim, ela o convidou para sair. Entre goles de cerveja e conversa fiada com amigos, as mãos dela procuravam as dele. Encontraram-nas. E ela o trouxe de volta. Na manhã seguinte, e em todas as outras, ela deixava a mensagem do dia no "orkut" dele.

Ao fundo, em rádio nenhum do mundo, as velhas músicas de natal podem ser sentidas em todos os lugares. Nas caixas de som, próximas à churrasqueira, já era carnaval.

Terminada a entrega de presentes do amigo-secreto, ela o acompanhou até a caixa de isopor. Na verdade, grudara nele. Ela ria de tudo o que ele falava, dividia cerveja, fazia aviãozinho com o pedaço de carne que ela tomou o cuidado de assoprar. Pouco dos presentes acompanhara todo o campeonato, e cada lance. A maioria conhecia a convidada dele naquela noite.

- Fala, Pedrão – Disse ele – Essa aqui é a Carla.

Pedro apertou a mão dela, deu um beijinho e disse que era um prazer. Carla sorriu e respondeu com a cabeça.

- É a sua namorada?

- Não. Ainda, não.

O amigo deu uma leve risada e saiu. Ela também riu. Pegaram mais uma lata de cerveja e ficaram por ali mesmo.

- Eduardo, ainda não somos namorados? - E fazia isso enquanto o abraçava e mordiscava seu pescoço.

- Ainda não.

- Ah, é? E depende do quê?

- De eu lhe perguntar e você responder que sim.

- E quando você vai me perguntar?

- Em janeiro.

- Janeiro!? Por quê em janeiro?

- Ué? Quando você prefere?

Um sorriso. Os olhos fixos nele. Daquele ângulo, Eduardo poderia ver uma bela lua cheia no céu, mas não queria.

- Agora.

O rapaz ficou vermelho, não de surpresa. Tomou fôlego.

- Cá, a senhorita aceitaria ser minha namorada?

- Não.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Feriadão

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FIM

domingo, 9 de dezembro de 2007

Dois ponto zero

FADE IN

INT. SALA NO CÉU – DIA
DEUS, nerd, a cara do “Bill Gates”, de óculos,sentado, teclando freneticamente num computador. SÃO PEDRO aproxima-se.

SÃO PEDRO
O que foi? Deu pau de novo?

DEUS
(De olho no monitor)
Ih, Pedrão, além de guerra, fome, agora, deram “tilt” no clima. Chove demais, chove de menos, esquenta demais, esquenta de menos.

SÃO PEDRO
É cheio de “bug”, né?

DEUS
Também, só tive seis dias pra fazer essa versão aí.

SÃO PEDRO
Vai ter que reiniciar. É, tipo, água de novo? Ou vai chamar teu filho lá na assistência técnica?

DEUS
Não. Esquece! Vou mandar soar as trombetas.
(Passando um cedê)
Tive mais tempo e fiz uma versão bem melhor. É um “upgrade”!

São Pedro, com o cedê na mão, olhando os cabelos de Deus.

SÃO PEDRO
Tá ficando careca, hein?

DEUS
Blasfêmia!

FADE OUT
FIM

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

A fuga do planeta dos macacos


“A um palmo dos olhos a pata negra do macaco/
Eclipsa a Lua, as estrelas, e até/
O próprio espaço. Cinco dedos feiúdos/
São o mundo inteiro.”

Em “O Macaco e a Essência”, de Aldous Huxley, um roteiro encontrado por dois produtores de Hollywood conta a história de um botânico neozelandês que, no século 21, redescobre o Estados Unidos, devastado por um ataque nuclear e bacteriológico na terceira guerra mundial, há mais de cem anos. Lá, ele se depara com uma sociedade, temente ao Diabo – a quem são atribuídos todos os males –, formada por pessoas deformadas física e moralmente.

Vale lembrar que Huxley é o mesmo autor de “Admirável Mundo Novo”, seu livro mais famoso, e “As portas da Percepção”, o qual inspirou o nome do grupo “The Doors”.

Esta obra, de 1948, expressa a ausência de esperança na humanidade de alguém que viveu a Segunda Guerra e o nazismo, presenciou a bárbara destruição de Hiroshima e Nagasaki, e assistiu ao mundo dividido, preste a se destruir, a qualquer momento, centenas de vezes, por bombas atômicas, durante a Guerra Fria.

Em “O Macaco...”, afirma-se que o Diabo, ou Belial, como é chamado, incutiu na mente do homem duas grandes idéias, e que uma delas seria a algoz da humanidade. Uma é o “Nacionalismo”, “a teoria de que o Estado do qual por acaso você é súdito é o único deus verdadeiro, e de que todos os outros Estados são deuses falsos”; a outra, o “Progresso”, “ a teoria de que você pode receber alguma coisa a troco de nada”.

A terceira guerra ainda não aconteceu. Porém, a tensão tem estado alta ultimamente, principalmente pelas “boas intenções” norte-americanas na “Guerra contra o Terror”. Assistimos ao sempre instável Oriente Médio, às crises com o Irã e a Coréia do Norte e a potenciais conflitos cada vez mais palpáveis com o esgotamento do petróleo e a recessão do Império frente à nova potência vermelha se delineando no horizonte. O mundo vai aos poucos se polarizando novamente na medida em que os interesses vão se evidenciando.

De outro lado, temos o colapso do meio-ambiente.

Huxley afirma que se não nos destruirmos pela guerra, como ocorre no livro, morreremos lentamente, destruindo o planeta.

“Poluindo os rios, exterminando os animais selvagens, destruindo as florestas, varrendo o húmus para o mar, queimando um oceano de petróleo, esbanjando os minerais que foi preciso o tempo geológico inteiro para depositar. Uma orgia de imbecilidade criminosa. E a isso eles chamavam Progresso.”


James Lovelock, renomado cientista, discorda quanto ao "morte lenta". Leia trecho da entrevista concedida à revista “Rolling Stone”, onde o sombrio cientista, afirma que o aquecimento global vai matar seis bilhões de pessoas neste século.

Pertinente, também, relatório do WWF sobre Mudanças Cimáticas.

Para os otimistas, João Guilherme Linke, expõe no posfácio do livro:

“...cabe considerar que é ainda relativamente fácil esperar o melhor quando se é um dos afortunados para quem as catástrofes recentes se reduziram a uma coleção de manchetes, a algumas fotografias embaçadas e meia dúzia de estatísticas inexpressivas, essas mesmas já um tanto remotas na memória”.


Mas a obra não se resume a isso, ela ainda trata de religião, de sociedade, de amor, e traz um fiapo de esperança. Não para a humanidade, que vai, inevitavelmente se destruir, mas Huxley acreditava no indivíduo, o qual, através do amor e da tolerância, pode sobreviver ao fim.

sábado, 1 de dezembro de 2007

O fim do mundo

Você consegue...? ...CONSEGUE ME OUVIR? VAMOS LÁ:

Um estrondo. Os raios abriam espaço na negra escuridão da noite, seguidos, instantaneamente, pelos trovões... Outro estrondo.

O céu desabava naquela pequena cidade do interior. O granizo metralhava telhados, quebrava calhas, riscava carros.

Se o IMGA - Instituto de Medição de Gotas D’Água - estivesse ali, iria colocar aquela chuva no “Guinness”. Desde 1932, no norte da Grécia, não havia registro de gotas tão grandes como daquela noit... Um clarão. Outros. Um bombardeio! Talvez, como uma noite em Bagdá.

Paraibuna é uma cidadezinha com não mais do que 20 mil habitantes. No centro, fica a igreja Matriz e a praça com o coreto, assim como determina a lei das cidades interioranas.

Um diferencial aqui é a represa. Um reservatório gigante, com 760 quilômetros de perímetro e cinco bilhões de metros cúbicos de água. Um paredão separa aquele mar de água-doce da pequena área urbana no vale lá embaixo. Construída em... Mais uma explosão... E outra. São tantas e tão freqüentes que parecem vir do mesmo raio.

A água continua a cair. Nem o Aquaman se atreveria a sair na rua àquela hora. Era capaz de se afogar. Talvez, a tricentenária cidade nunca tivesse testemunhado um tempo daquele.

O rio que corta o município estava bravo. Na torrente, a força das águas carregava terra, troncos de árvores e... um... cachor... Não! Uma família inteira de capivaras! Amanhã, seria dia de luto oficial em algum lugar...

Voltando para a barragem, ela tremia. A fúria da tempestade causava desbarrancamentos, deslocando grandes quantidades de água que se chocavam com a parede. O impacto era assustador. Seus tremores se confundiam com os trovões.

Toda essa agitação causava reflexos a metros de profundidade, na linha da barragem. Ela havia sido erguida, na década de 70, sobre uma frágil faixa arenosa, nem um pouco estáv... Um rugido. Era o céu, clamando por atenção.

A noite seria longa...

Silêncio.

No seu quarto, Rogério revirava-se na cama, tentando pegar no sono. Não havia chuva, granizo ou trovões. Ele usava um par de protetores de ouvido. Incapaz de ouvir qualquer ruído.

Mas era insone. A sorte é que amanhã seria sábado, e ele poderia dormir até tarde. Esperara a semana inteira pelo fim.

Talvez os clarões pudessem alertá-lo da chuva... Que nada! Também usava máscara vendando os olhos. Poderia estar a luz acesa. Além disso, havia colocado no seu quarto uma cortina blecaute. Vedava grande parte da luz que poderia entrar pela janela.

Nem com todo esse “E.P.I.” ele conseguia se desligar.

Mas, ali, no seu quarto, estava isolado do resto do mundo.

Depois de quase quatro horas rolando de um lado para outro, conseguiu apagar. Mas não estava tudo resolvido, não. Facilmente, despertava durante a noite.

Lá pelas seis da manhã, acordou com a bexiga berrando o seu nome. Tentou fingir que não ouvia. Mas nem o protetor auricular era capaz de ajudar.

Levantou-se, um zumbi, e caminhou até a porta. Abriu-a. A claridade irritou seus olhos. Ficou levemente intrigado. Normalmente, do seu lado direito, estaria a porta do banheiro; à sua frente, a porta do quarto do seu irmão; e, à esquerda, o quarto dos seus pais e o corredor que daria para a sala.

Mas, estranhamente, naquele dia, a porta do seu quarto dava vista para o mar. No céu, dois helicópteros voavam baixo. Um era da polícia. O outro era de uma emissora de tevê que não quis pagar o “merchandising” para divulgarmos o nome aqui. Havia, também, botes salva-vidas, bombeiros, um “jet-ski”. A família do vizinho, ilhada no telhado da casa, acenava desesperadamente. Viu uma lancha passar. Talvez, aquilo lá na frente, fossem corpos boiando.

Não havia som algum.

Fechou a porta. Era melhor voltar para a cama.

Deitou-se. Pensou na confusão que estava lá fora. Era prudente trancar a porta. Se ele se deitasse de bruços, pressionando o piru, conseguiria enganar a vontade de mijar, e voltaria a dormir.

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