sábado, 1 de dezembro de 2007

O fim do mundo

Você consegue...? ...CONSEGUE ME OUVIR? VAMOS LÁ:

Um estrondo. Os raios abriam espaço na negra escuridão da noite, seguidos, instantaneamente, pelos trovões... Outro estrondo.

O céu desabava naquela pequena cidade do interior. O granizo metralhava telhados, quebrava calhas, riscava carros.

Se o IMGA - Instituto de Medição de Gotas D’Água - estivesse ali, iria colocar aquela chuva no “Guinness”. Desde 1932, no norte da Grécia, não havia registro de gotas tão grandes como daquela noit... Um clarão. Outros. Um bombardeio! Talvez, como uma noite em Bagdá.

Paraibuna é uma cidadezinha com não mais do que 20 mil habitantes. No centro, fica a igreja Matriz e a praça com o coreto, assim como determina a lei das cidades interioranas.

Um diferencial aqui é a represa. Um reservatório gigante, com 760 quilômetros de perímetro e cinco bilhões de metros cúbicos de água. Um paredão separa aquele mar de água-doce da pequena área urbana no vale lá embaixo. Construída em... Mais uma explosão... E outra. São tantas e tão freqüentes que parecem vir do mesmo raio.

A água continua a cair. Nem o Aquaman se atreveria a sair na rua àquela hora. Era capaz de se afogar. Talvez, a tricentenária cidade nunca tivesse testemunhado um tempo daquele.

O rio que corta o município estava bravo. Na torrente, a força das águas carregava terra, troncos de árvores e... um... cachor... Não! Uma família inteira de capivaras! Amanhã, seria dia de luto oficial em algum lugar...

Voltando para a barragem, ela tremia. A fúria da tempestade causava desbarrancamentos, deslocando grandes quantidades de água que se chocavam com a parede. O impacto era assustador. Seus tremores se confundiam com os trovões.

Toda essa agitação causava reflexos a metros de profundidade, na linha da barragem. Ela havia sido erguida, na década de 70, sobre uma frágil faixa arenosa, nem um pouco estáv... Um rugido. Era o céu, clamando por atenção.

A noite seria longa...

Silêncio.

No seu quarto, Rogério revirava-se na cama, tentando pegar no sono. Não havia chuva, granizo ou trovões. Ele usava um par de protetores de ouvido. Incapaz de ouvir qualquer ruído.

Mas era insone. A sorte é que amanhã seria sábado, e ele poderia dormir até tarde. Esperara a semana inteira pelo fim.

Talvez os clarões pudessem alertá-lo da chuva... Que nada! Também usava máscara vendando os olhos. Poderia estar a luz acesa. Além disso, havia colocado no seu quarto uma cortina blecaute. Vedava grande parte da luz que poderia entrar pela janela.

Nem com todo esse “E.P.I.” ele conseguia se desligar.

Mas, ali, no seu quarto, estava isolado do resto do mundo.

Depois de quase quatro horas rolando de um lado para outro, conseguiu apagar. Mas não estava tudo resolvido, não. Facilmente, despertava durante a noite.

Lá pelas seis da manhã, acordou com a bexiga berrando o seu nome. Tentou fingir que não ouvia. Mas nem o protetor auricular era capaz de ajudar.

Levantou-se, um zumbi, e caminhou até a porta. Abriu-a. A claridade irritou seus olhos. Ficou levemente intrigado. Normalmente, do seu lado direito, estaria a porta do banheiro; à sua frente, a porta do quarto do seu irmão; e, à esquerda, o quarto dos seus pais e o corredor que daria para a sala.

Mas, estranhamente, naquele dia, a porta do seu quarto dava vista para o mar. No céu, dois helicópteros voavam baixo. Um era da polícia. O outro era de uma emissora de tevê que não quis pagar o “merchandising” para divulgarmos o nome aqui. Havia, também, botes salva-vidas, bombeiros, um “jet-ski”. A família do vizinho, ilhada no telhado da casa, acenava desesperadamente. Viu uma lancha passar. Talvez, aquilo lá na frente, fossem corpos boiando.

Não havia som algum.

Fechou a porta. Era melhor voltar para a cama.

Deitou-se. Pensou na confusão que estava lá fora. Era prudente trancar a porta. Se ele se deitasse de bruços, pressionando o piru, conseguiria enganar a vontade de mijar, e voltaria a dormir.

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