O único sobrevivente

No topo do fim dos tempos, sentava-se Toninho Zunzum a observar a estrelas se apagando uma a uma. Em instantes, o universo mergulharia no breu final. Ela ajeitava seu chapéu, por mania besta, e anotava suas conclusões em uma folha de papel.

Dizia ele: Como único sobrevivente, relato aqui os últimos dias.

Há bilhares de anos, a raça humana tinha se extinguido. Ele não sabia o que foi o amor ou ódio, a paz ou a guerra, o altruísmo ou o egoísmo. Ah, tudo isso passou e sequer deixou marcas.

Os genocídios, de homens, de plantas, de animais, dinheiro e toda a riqueza, os grandes palácios, os arranha-céus, o choro contido num quarto escuro... Ah, tudo isso passou e sequer deixou marcas.

Continuava ele: Como único sobrevivente, relato aqui os últimos dias.

Como ele poderia se lembrar de qualquer daquelas coisas, se tudo passou? As grandes florestas, os belos animais, a água pura, tudo isso ainda deixou o homem para trás, mas o tempo foi implacável.

A esposa que abandonou a casa, a filha que ignora o papai, o patrão que demite, a última garrafa de pinga, o derradeiro tiro. Ah, tudo isso passou e sequer deixou marcas.

E prosseguia: Como único sobrevivente, relato aqui os últimos dias.

Dentro de instantes, a última estrela se apagaria, e Toninho Zunzum não conseguiria mais desenhar as letras. Não tem problema. Ninguém leria aquilo. Toninho Zunzum era o último ser vivo sentado no topo dos fins dos tempos. Em instantes, o universo mergulharia no breu final.