domingo, 17 de fevereiro de 2013

Paraibuna está ficando mais pobre, preocupa-se historiador

Para Andrade, Paraibuna é chão firme
Francisco Dias de Andrade é historiador formado pela Unicamp, onde faz doutorado em História da Arte e da Cultura. Há alguns anos, ele se dedica à preservação do patrimônio cultural.

Desde a adolescência, quando morava em São José dos Campos, ele visita Paraibuna, tendo aqui bons amigos. Vem à cidade sempre que pode, principalmente depois que passou a se interessar pelas questões do patrimônio.

Aqui, ele defende a importância do patrimônio cultural de Paraibuna. Afirma que a cidade tem de criar proximidade com sua herança cultural, não tratá-la de uma forma solene e intocável. Só assim para que se preserve a riqueza do passado em harmonia com as novidades, e renovações, trazidas pelo presente – o futuro. Isso pode ter ainda reflexo importante na economia da cidade, em razão do seu potencial turístico. O primeiro passo está num conselho municipal de patrimônio histórico efetivo.

Acompanhe abaixo a íntegra da entrevista. E não deixe de ler o bate-papo com o Eduardo Rennó, onde se dá início a essa discussão sobre a identidade de Paraibuna.

SOLILÓQUIO INSIPIENTE: O que é patrimônio histórico e qual sua importância para a sociedade?
FRANCISCO DIAS DE ANDRADE: Hoje nós preferimos falar em “patrimônio cultural” ao invés de usar o adjetivo “histórico”, que é, de fato, muito limitado, pois passa a ideia de que só o excepcional ou muito velho, antigo de décadas ou séculos, deve ser valorizado como patrimônio. Quando damos preferência ao termo “patrimônio cultural”, conseguimos abarcar uma série de outras manifestações do dia a dia hoje também percebidas como dignas de valorização, como danças, festas, ofícios, produtos tradicionais e até lugares significativos para os grupos que os usam. A sua importância para a sociedade reside justamente no papel que exerce na preservação da memória coletiva, pela enorme capacidade que todos esses bens culturais têm de afetar positivamente as pessoas aos quais falam mais diretamente. Ele mantém vivas as lembranças dos idosos, os ajudando a se manterem integrados na vida comum. Serve como meio pelo qual os jovens podem aprender sobre suas origens e trabalhar suas identidades em construção – o que faz do patrimônio cultural um poderosíssimo material educativo, seja nas escolas, ONG’s ou projetos culturais. Além disso, tem exercido um papel cada vez maior na economia de todas as cidades brasileiras, pelo seu potencial em atrair turistas e visitantes dos mais variados tipos.

SI: E, então, Quais são os patrimônios culturais de Paraibuna, materiais e imateriais?
FDA: Paraibuna guarda testemunhos arquitetônicos importantes da história do Vale do Paraíba, como algumas grandes fazendas de café, das quais a fazenda Boa Esperança é o exemplar mais interessante. Ainda fora do centro urbano, existem lindas capelinhas, esperando para serem reconhecidas como marcos importantes de nossas paisagens rurais. Ainda existem também várias construções no centro histórico da cidade que são muito valiosas, como a Igreja Matriz, a igreja do Rosário, o Mercado Municipal, a casa da Fundação Cultural, isso para falar apenas dos de maior destaque... No campo do patrimônio imaterial podemos destacar toda uma cultura da gastronomia caipira que se mantém viva na cidade, principalmente nas festas. Digo “cultura”, pois não vejo só determinados pratos, como o fogado, sendo servidos a turistas, mas toda uma série de práticas, afetos, pequenos rituais, que acontecem conjuntamente nessas ocasiões. Essa sociabilidade vívida também ocorre em outras manifestações culturais de Paraibuna e, no fundo, é o que importa quando falamos de patrimônio imaterial. Mas até agora falei apenas do que chama mais a atenção daqueles, como eu, de fora da cidade. A verdade é que a preservação começa a ficar interessante mesmo quando as próprias pessoas diretamente envolvidas com aqueles bens começam a opinar e decidir sobre qual é (e qual deveria ser) o seu patrimônio.

SI: Qual a importância, especificamente, de danças como o moçambique ou festas tradicionais dos bairros para a nossa cultura?
FDA: As festas dos bairros e todas as outras manifestações culturais que lá acontecem são importantíssimas para a vida na cidade como um todo. Em cidades grandes, seus habitantes encontram opções de lazer em diferentes regiões da cidade, e assim acabam conhecendo outros lugares, outras pessoas, outros aspectos de suas cidades que não encontrariam em sua vizinhança. Um jovem paulistano que mora na Zona Norte pode ir até os bares da Vila Madalena, e assim se sentir como um participante de sua cidade como qualquer um que more nas redondezas. O mesmo pode ser dito sobre um joseense do Satélite que gosta de ir ao Parque da Cidade ou de um morador da Martim de Sá que prefere pegar praia em Capricórnio. Em cidades pequenas, as festas e eventos nos bairros acabam fazendo esse papel, sendo um dos grandes motivos para as pessoas circularem pelo município, não ficarem só restritas ao centro urbano. Em Paraibuna, onde metade dos habitantes mora na zona rural, esses eventos nos bairros tem uma importância ainda maior, são oportunidades sem igual para festejar, dançar, celebrar sua cultura. E é preciso ver que não se trata só de diversão: mas sim de vivenciar o município, frequentar seus espaços e se deixar afetar por eles, pois estamos falando de uma coisa que é, antes de tudo, afetiva. Sem isso, não existe valorização possível, não há campanha de conscientização que dê conta.

SI: A Fazenda Conceição, tombada pelo IPHAN e CONDEPHAAT não existe mais. O presepista Carlinhos, cujo trabalho é considerado patrimônio imaterial do Estado de São Paulo, morreu no fim do ano passado sem o devido reconhecimento. O fogado, patrimônio histórico-cultural do município, só pode ser encontrado no dia a dia em apenas um estabelecimento. As festas religiosas, tradicionais do município, cada vez menos trazem danças locais, como a congada, ou músicos, como os violeiros. Na sua visão, porque não valorizamos o que é nosso?
FDA: Bom, acredito que esse tipo de “descaso” não é uma exclusividade paraibunense. Quantas não são as cidades que sofrem do mesmo mal? Na verdade, somos ensinados a desejar o que está longe, a valorizar o que ainda não temos. É uma tendência que é fortemente estimulada pela sociedade de consumo e que tem tido consequências nefastas nas nossas relações com nossas comunidades e com nossa herança cultural.
O lado positivo, acredito, é que o desejo pelo que não temos, essa necessidade do distante, são plenamente ilusórios e as pessoas vão acabar percebendo isso uma hora ou outra. Por outro lado, temos também que incentivar as pessoas a aprender a olhar de outra forma para sua herança cultural. Ela é algo tão ruim assim para que queiram de imediato descartá-la em troca dos modos de vida que chegam de longe? E nesse ponto, os que trabalham com o patrimônio precisam reconhecer que temos também grande parte da culpa por tornar a cultura herdada algo tão pouco atrativo, pois o patrimônio ainda é defendido por muitos como se fosse algo sagrado, solene, o altar perante o qual devemos nos ajoelhar. E não é, pelo contrário! Se ele é algo tão gratificante de se envolver é justamente por aceitar bem todos os tipos de respostas que nós lhe damos, até as jocosas.

O caso dos azulejos foi positivo
SI: Você acompanhou o caso dos azulejos da Igreja Matriz em 2011, quando alguns cidadãos paraibunenses se manifestaram contra reformas na fachada da igreja, alegando falta de cuidado com o valor histórico? Como você vê o caso?
FDA: Sim, acompanhei. Acredito que embora esse episódio tenha gerado atritos com a Paróquia e com a Prefeitura, foi algo muito positivo para a cidade. Por mais que queira enfatizar aqui os aspectos construtivos do patrimônio cultural, não podemos ser ingênuos e achar que a preservação é uma ideia tão boa que todos vão concordar de imediato com ela. Nem é preciso. Ela só precisa ser boa o suficiente para que haja alguns dispostos a defendê-la. E aí, é preciso bater o pé e ir para a disputa. E não importa muito se, vez ou outra, nosso lado perca; a cidade sempre ganha.

SI: A conclusão do episódio dos azulejos foi a criação de um conselho de reforma dentro da igreja e um conselho municipal de patrimônio histórico. Embora este último não tenha realizado uma reunião desde então, e esteja ocupado apenas por servidores públicos ou equiparados, sem representação da sociedade, como o cidadão pode atuar na defesa do patrimônio cultural? Como conscientizá-lo?
FDA: O cidadão não vai se envolver com a preservação enquanto nós continuarmos a restringi-la à sua face “intelectualóide” e puramente estética. As “questões culturais” vistas desse modo são sempre tidas como um desatino, algo supérfluo. E continuarão sendo assim consideradas enquanto não começarmos a mostrar que não se trata apenas de um interesse intelectual ou estético, mas sim de um modo de melhorar nossa qualidade de vida, de influir nos destinos de nossas cidades, de construir um bom futuro para todos.

SI: Paraibuna está ficando feia com a derrubada de seus casarões e imóveis antigos na área urbana?
FDA: Não se trata de argumentar se está ficando feia ou bonita. Até porque se tratam de conceitos relativos. Mas posso afirmar que está ficando mais pobre. Explico-me: não podemos negar ao futuro a chance de existir, ou seja, nós temos que dar chance para beleza continuar a se renovar nas nossas cidades por meio de novas e boas construções. Mas, ao mesmo tempo, temos que manter os antigos edifícios de pé, pois eles exercem um papel fundamental em impedir que nossos ambientes urbanos (por menor que sejam!) caiam na mesmice. Hoje sabemos que mais importante que dispormos de uma cidade bonita ou feia, é termos uma cidade diversa. Quero dizer, quando estamos falando de um centro urbano, a melhor medida da beleza é sempre a diversidade. Assim é preciso saber conciliar as duas coisas, o que é plenamente possível.

SI: Na Fundação Cultural, por meio da Comissão de Arquivo e Patrimônio Histórico, começa-se a articular a necessidade de um prédio onde a cidade possa alocar e expor objetos e documentos com valor histórico, o qual futuramente pode vir a se tornar um museu. Qual a importância dessa iniciativa?
FDA: É uma iniciativa de grande valor. Em primeiro lugar, existe a necessidade da cidade de Paraibuna dispor de um prédio apropriado para guardar seu acervo de documentos históricos, que tem enfrentado diversos descaminhos nos últimos anos. Além disso, em todos os países republicanos que se prezem, a primeira geografia que se revela, a primeira história que se narra às crianças pequenas, são as da sua cidade. Isso revela a importância de toda a cidade ter um espaço dedicado não apenas aos fatos e nomes do passado, mas um lugar em que os cidadãos possam desenvolver um olhar afetivo e curioso sobre o lugar em que vivem.

SI: Paraibuna é chão caipira, como diz o slogan da cidade?
Há capelas de Santa Cruz bonitas e bem cuidadas.
FDA: Como tentei dizer acima, a visão de alguém de fora só vai até certo ponto. Acredito que mais importante do que a opinião de um paulistano que mora em Campinas como eu é a opinião dos próprios moradores. Mas para mim, Paraibuna tem sim uma valiosa cultura caipira residindo em seus bairros rurais. Há capelas de Santa Cruz que fazem você querer ser batizado de tão bonitas e bem cuidadas. Mas Paraibuna tem também uma juventude hiperconectada, por dentro de movimentos como o Fora do Eixo. São jovens que tem, inclusive, trabalhado conjuntamente com o pessoal ligado à cultura caipira. Assim, antes de dar um peso muito grande a um simples slogan, prefiro dizer que Paraibuna é chão. E chão firme, capaz de suportar o que quer a cidade escolha para si.

SI: Que medidas deveriam ser adotadas pela sociedade paraibunense e Poder Público para a preservação do nosso patrimônio?
FDA: Um primeiro passo seria tornar o conselho municipal representativo e operante. Um conselho ativo é um ótimo espaço para realizar e reverberar os debates do patrimônio dentro do município. É um modelo que tem dado certo em muitas cidades. Além disso, é preciso, como disse, não separar a preservação do patrimônio das questões mais gerais da cidade como um todo. E a esfera municipal hoje é muito mais aparelhada para isso do que os órgãos de preservação como o CONDEPHAAT e o IPHAN. Desde a criação do Estatuto da Cidade, em 2002, os municípios têm múltiplos instrumentos à sua disposição para pensar essas questões conjuntamente, o que aumenta muito as chances de sucesso de políticas preservacionistas. E ainda que Paraibuna não apresente dinâmicas urbanas tão complexas como as de cidades maiores, são ferramentas que podem ser muito uteis nas resoluções dos problemas da cidade. Tais questões precisam ser debatidas agora, pois, com a duplicação da Tamoios, pode se repetir o impulso demolidor que assolou a cidade na época da primeira ampliação da estrada, na década de 1960. E – talvez o mais fundamental – tem que se mostrar que não se está causando todo esse barulho por nada. Pelo contrário, é uma boa briga. Das melhores que há.

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Um comentário:

Anônimo disse...

Exclente a matéria relatando que Paraibuna esta ficando mais "pobre" mas na verdade não somente na sua parte cultural, mas em muitas outras situações.
A preservação do patrimônio histórico Paraibunense é uma grande piada,veja o exemplo da bica, mau cuidada, servindo de banheiro a céu aberto em dias de festa na cidade, ESSE É APENAS UM EXEMPLO.
Quem não se lembra do casarão na rua do meio,onde hoje é uma galeria e residência, foi desmoronando aos poucos até cair tudo e ser construída uma casa que fugiu totalmente do padrão cultural do centro da cidade, politicamente toda população sabe quem autorizou isso.
Paraibuna é um cidade maravilhosa para se viver, mas o povo tem o governo que merece, entra politico e sai politicos e as balelas são as mesmas, cabide de emprego, execução de obras em terreno de particulares, professores mau remunerados e tantas outras coisa mais.
Quem se lembra das festas dos bairro do Bragança, Espirito Santo, do forró no centro comunitário em dia de aniversário da cidade e do café com biscoito para o povão a noite, onde foram parar tudo isso? hoje é festa no largo do mercado e mais nada, acabou o show, acabou a festa é so barraca e baderna depois, ou é mentira?
Quero deixar claro que não sou e destesto política, mas ela existe e temos que aprender a lidar para tentar melhorar a nossa vida.
Cade os belos campeonatos de futebol da cidade? cade a iluninação do campo, o nosso fórum nunca foi pintado,fachada suja,as calçadas na sua grande maioria estão quebradas, a ponte da vigor com vigas quebradas, a beria dos rios uma sujeira total, esta certo que a população também suja, mas cade o trabalho da prefeitura em limpar a margem do rio, unico pedaço limpo é que um senhor chamado Frank limpa por sua conta própria.
A secretaria de esportes é um piada, no carnaval tinha carros parados onde não poderia, falta organização, a fundaçao cultural essa ainda esta tentando acredito até com poucos recursos manter o nosso patrimonio.
Vejo com pessimismo o futuro cultural de Paraibuna, mas se para o os políticos desta cidade uma grande quantidade de pessoas em festa é bom sinal, paciência, mas volume não é sinal de qualidade.
Hoje se constroi onde e como quer na nossa cidade, não tem fiscalização e só dar uma olhada no bairro do cruzeiro, Vila São Guido e tem mais ainda na avenida São José em dias de chuva é impressionate a quantidade de água que desce das casas de excelente padrão, isso é correto ou não? ou quem mora para baixo que se dane com isso?
Mas a vida continua ,mas não esperem nada de MELHORIA NO LADO DA PRESERVAÇÃO DA CIDADE, POIS ESSES NOSSOS GOVERNANTES DE HOJE, ONTEM, SÃO UNS VERDEIROS ENGANADORES.

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