sábado, 27 de novembro de 2010

Os Jovens da Era Pré-Apocalíptica


Tinha nove anos e fazia catecismo, quando estávamos prestes a adentrar a última década do segundo milênio, e talvez do Homem (pam-pam-pam-pam!).

Antes, peço àqueles mais sensíveis que não prossigam. O que se segue é uma narrativa verídica e forte sobre o julgamento final, o apocalipse, o fim do mundo, o dia do julgamento, a grande colheita, os últimos dias, o armagedon, o dia em que a casa caiu. Espero ter sido claro.

O cenário era Paraibuna, uma cidadezinha do interior de São Paulo, no Vale do Paraíba. Daquelas que tem uma parteira, o prefeito, um padeiro, um padre, um juiz, um delegado e um cidadão - para nascer, votar, comer pão, rezar, ser condenado e ir preso. Ou seja, tirando saci-pererê, mula-sem-cabeça, corpo-seco, a população total da cidade devia somar um pouco mais que cinco pessoas.

Na época, em Muriaé, Minas Gerais, Nossa Senhora escolheu aparecer e mandar mensagens através de um iluminado lá. Em alguns domingos, as beatas de Paraibuna lotavam ônibus, com seus uniformes, bandeiras, hinos e gritos de guerra, e viajavam pra cidadezinha mineira embriagadas pela fé.

Mas, um dia, a mensagem em Muriaé não foi nada agradável. A Mãe falou que em 1999 acabaria a brincadeira. Era o fim com data marcada. No céu, uma grande cruz avisaria os fiéis. O mundo entraria numa escuridão total por dias. Abre parênteses. O engraçado é que, lembrando agora, foi verdade! Só que um pouco depois. E o diabo foi o FHC! Fecha parênteses. E, então, somente os puros de coração seriam salvos. Os demais iriam para os quintos dos infernos.

Daí, as benditas filhas de deus também eram as professoras da catequese, e contaram isso pra gente numa dos encontros! Pô, eu tinha apenas nove anos e vento na cabeça! E queria salvar minh'alma, claro.

No que deu? Reuni uns amigos da escola e fundamos a JEPA, a Juventude da Era Pré-Apocalíptica (é sério!). Todas as noites (todas-as-noites), a gente se reunia na casa de um para ler a Bíblia (Apocalipse de São João, claro...), rezar o terço e traçar os planos de sobreviência num mundo destruído.

Naqueles anos, o capeta estava no topo do ranking da Forbes. Não tinha para Bill Gates, xeique árabe ou Tio Patinhas. De acordo com as fontes anônimas (e desconhecidas) dos devotos daqui, o tinhoso era dono da Coca-cola, desanhava o molequinho com sete fios de cabelo da Fido Dido, e era muso da Xuxa – em mensagens secretas tocadas de trás pra diante.

Hoje me pergunto: onde estavam os nossos pais? Precisávamos era de uns bons tabefes e, como castigo, podiam mandar a gente jogar pião, empinar pipa, brincar de esconde-esconde. Sei lá.

Não me lembro quanto tempo ficamos lá rezando. Durou. Sei apenas que o mundo não acabou em 1999, e, agora, vocês já sabem a quem agradecer.

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