(vou falar sobre elementos que podem estragar a surpresa de quem ainda não assistiu)
Fiquei deprimido após assistir ao "Tropa de Elite".
Como filme, a obra é excelente. Os atores estão ótimos. O roteiro desenvolve a história muito bem. E a linguagem documental (planos longos, iluminação natural) da filmagem acrescenta ainda mais realidade. Sem contar a edição. O diretor, José Padilha, (o mesmo do "Ônibus 174") reuniu aqui a mesma equipe que fez "Cidade de Deus": roteirista, preparadores de atores, editores; não quis arriscar.
Mijei cinco minutos antes do filme começar. Apagadas as luzes, a bexiga psicológica ativou. Ficava torcendo para o filme acabar logo e poder ir ao banheiro. Porém, lá pelo meio da sessão, no começo do treinamento, esqueci-me da frescura e fui conquistado pela narrativa.
E o filme é chocante, não há como negar. Todo o mundo que lhe assiste, sai com uma opinião. Ninguém fica indiferente.
Padilha, inicialmente, pensava em fazer um documentário sobre o BOPE - Batalhão de Operações Especiais da polícia do Rio de Janeiro. Mas, devido a dificuldades encontradas, preferiu ficar na ficção. Como a intenção era apresentar o BOPE, a história é contada do ponto de vista dos policiais. Não é o ponto de vista do roteirista, do diretor ou do Wagner Moura.
O resultado, ainda mais na atual estagnação racional da sociedade moderna, foi além de uma obra de entretenimento, foi além de uma obra de discussão social, tornou-se uma experiência sociológica. Como já li em algum lugar: o filme é um espelho mostrando à nossa sociedade (nós mesmos) o quanto ela feia.
Tornar o Capitão Nascimento um novo herói nacional mostra o fundo do poço (moral e intelectual) ao qual estamos chegando. Claro, não se deve se conivente com a bandidagem, com o tráfico e tudo mais. Bandido, mau ou bonzinho, é bandido e tem que pagar, CONFORME A LEI.
Achar que subir o morro e dar tiro na cara dos marginais vai resolver o problema de violência neste país é muita ignorância. Em dados apresentado na edição da semana passada da Carta Capital, no Rio de Janeiro, no primeiro semestre deste ano, foram mortos 694 civis por policiais, por supostamente resistirem à prisão. É o maior número do país. No entanto, é o Estado que registra um dos maiores índices de violência. Não é contraditório? Se estão matando os bandidos, conforme o Capitão Nascimento prega, como é que a criminalidade continua aumentando???
Na primeira metade, acompanhamos a narrativa do ponto de vista do Capitão Nascimento, casado, com síndrome do pânico, esperando o filho, com sentimento de remorso por ter influenciado na morte de um fogueteiro, conhecemos Neto e Matias, dois jovens honestos que querem fazer a coisa certa. O Matias, ainda, ajuda uma ONG, está tentando conquistar uma gatinha, quer se formar em direito. Somos seduzidos pelos personagens. Acabamos por nos identificar com eles.
Então, na segunda metade do filme, seduzidos pelo Capitão Nascimento, nós nos INSCREVEMOS no treinamento do BOPE, assim como o Matias e Neto. A partir daí, os valores morais e o senso crítico vão para o ralo.
Apesar do filme ser o ponto de vista do BOPE, os autores acabam por colocar lá um pouco da própria opinião. Vejamos:
Primeiro: o Capitão Nascimento começa como um futuro pai de família, a esposa o ama, ele quer sair do BOPE em razão do perigo, para cuidar do filho. Ele termina abandonado pela esposa, com síndrome do pânico. E, só para mostrar o quanto o personagem é incoerente e falível: na primeira metade ele fica com remorso por ter causado a morte de um fogueteiro ao fazê-lo entregar um traficante. Quase para o final do filme, ele faz a mesma coisa com outro garoto (o qual entrega o Baiano), que, até então, não tinha nada a ver com a história.
Segundo: Matias começa como um jovem honesto, idealista, tímido (é só ver a discussão na sala de aula), com uma bela paquera. Termina estúpido, sem namorada, sem amigos.
Terceiro: Neto surge como um jovem honesto, idealista. Acaba morto.
Os três personagens principais do filme se ferram. Os autores não são coniventes com as atitudes dos personagens.
O que vai reduzir a criminalidade neste país, não é só policial no morro. Nem só a prisão dos bandidos, tanto os pobres quanto os colarinhos branco. Nem só a diminuição da desigualdade social. O que vai acabar, não só com a criminalidade neste país, mas com as mazelas em geral é uma sociedade menos alienada. E isso não se dá simplesmente "colocando no saco..."