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Para Andrade, Paraibuna é chão firme |
Francisco Dias
de Andrade é historiador formado pela Unicamp, onde faz doutorado em História
da Arte e da Cultura. Há alguns anos, ele se dedica à preservação do patrimônio
cultural.
Desde a
adolescência, quando morava em São José dos Campos, ele visita Paraibuna, tendo
aqui bons amigos. Vem à cidade sempre que pode, principalmente depois que
passou a se interessar pelas questões do patrimônio.
Aqui, ele
defende a importância do patrimônio cultural de Paraibuna. Afirma que a cidade
tem de criar proximidade com sua herança cultural, não tratá-la de uma forma
solene e intocável. Só assim para que se preserve a riqueza do passado em
harmonia com as novidades, e renovações, trazidas pelo presente – o futuro. Isso
pode ter ainda reflexo importante na economia da cidade, em razão do seu
potencial turístico. O primeiro passo está num conselho municipal de patrimônio
histórico efetivo.
Acompanhe abaixo
a íntegra da entrevista. E não deixe de ler o bate-papo com o Eduardo Rennó,
onde se dá início a essa discussão sobre a identidade de Paraibuna.
SOLILÓQUIO INSIPIENTE: O que é patrimônio histórico e
qual sua importância para a sociedade?
FRANCISCO DIAS DE ANDRADE: Hoje
nós preferimos falar em “patrimônio cultural” ao invés de usar o adjetivo
“histórico”, que é, de fato, muito limitado, pois passa a ideia de que só o
excepcional ou muito velho, antigo de décadas ou séculos, deve ser valorizado
como patrimônio. Quando damos preferência ao termo “patrimônio cultural”,
conseguimos abarcar uma série de outras manifestações do dia a dia hoje também
percebidas como dignas de valorização, como danças, festas, ofícios, produtos
tradicionais e até lugares significativos para os grupos que os usam. A sua
importância para a sociedade reside justamente no papel que exerce na
preservação da memória coletiva, pela enorme capacidade que todos esses bens
culturais têm de afetar positivamente as pessoas aos quais falam mais
diretamente. Ele mantém vivas as lembranças dos idosos, os ajudando a se
manterem integrados na vida comum. Serve como meio pelo qual os jovens podem
aprender sobre suas origens e trabalhar suas identidades em construção – o que
faz do patrimônio cultural um poderosíssimo material educativo, seja nas
escolas, ONG’s ou projetos culturais. Além disso, tem exercido um papel cada
vez maior na economia de todas as cidades brasileiras, pelo seu potencial em
atrair turistas e visitantes dos mais variados tipos.
SI: E, então, Quais são os patrimônios culturais de
Paraibuna, materiais e imateriais?
FDA: Paraibuna guarda testemunhos
arquitetônicos importantes da história do Vale do Paraíba, como algumas grandes
fazendas de café, das quais a fazenda Boa Esperança é o exemplar mais
interessante. Ainda fora do centro urbano, existem lindas capelinhas, esperando
para serem reconhecidas como marcos importantes de nossas paisagens rurais.
Ainda existem também várias construções no centro histórico da cidade que são
muito valiosas, como a Igreja Matriz, a igreja do Rosário, o Mercado Municipal,
a casa da Fundação Cultural, isso para falar apenas dos de maior destaque... No
campo do patrimônio imaterial podemos destacar toda uma cultura da gastronomia
caipira que se mantém viva na cidade, principalmente nas festas. Digo
“cultura”, pois não vejo só determinados pratos, como o fogado, sendo servidos
a turistas, mas toda uma série de práticas, afetos, pequenos rituais, que
acontecem conjuntamente nessas ocasiões. Essa sociabilidade vívida também
ocorre em outras manifestações culturais de Paraibuna e, no fundo, é o que
importa quando falamos de patrimônio imaterial. Mas até agora falei apenas do
que chama mais a atenção daqueles, como eu, de fora da cidade. A verdade é que
a preservação começa a ficar interessante mesmo quando as próprias pessoas
diretamente envolvidas com aqueles bens começam a opinar e decidir sobre qual é
(e qual deveria ser) o seu patrimônio.
SI: Qual a importância, especificamente, de danças como o
moçambique ou festas tradicionais dos bairros para a nossa cultura?
FDA: As festas dos bairros e
todas as outras manifestações culturais que lá acontecem são importantíssimas
para a vida na cidade como um todo. Em cidades grandes, seus habitantes
encontram opções de lazer em diferentes regiões da cidade, e assim acabam
conhecendo outros lugares, outras pessoas, outros aspectos de suas cidades que
não encontrariam em sua vizinhança. Um jovem paulistano que mora na Zona Norte
pode ir até os bares da Vila Madalena, e assim se sentir como um participante
de sua cidade como qualquer um que more nas redondezas. O mesmo pode ser dito
sobre um joseense do Satélite que gosta de ir ao Parque da Cidade ou de um
morador da Martim de Sá que prefere pegar praia em Capricórnio. Em cidades
pequenas, as festas e eventos nos bairros acabam fazendo esse papel, sendo um
dos grandes motivos para as pessoas circularem pelo município, não ficarem só
restritas ao centro urbano. Em Paraibuna, onde metade dos habitantes mora na
zona rural, esses eventos nos bairros tem uma importância ainda maior, são
oportunidades sem igual para festejar, dançar, celebrar sua cultura. E é
preciso ver que não se trata só de diversão: mas sim de vivenciar o município,
frequentar seus espaços e se deixar afetar por eles, pois estamos falando de
uma coisa que é, antes de tudo, afetiva. Sem isso, não existe valorização
possível, não há campanha de conscientização que dê conta.
SI: A Fazenda Conceição, tombada pelo IPHAN e CONDEPHAAT
não existe mais. O presepista Carlinhos, cujo trabalho é considerado patrimônio
imaterial do Estado de São Paulo, morreu no fim do ano passado sem o devido reconhecimento.
O fogado, patrimônio histórico-cultural do município, só pode ser encontrado no
dia a dia em apenas um estabelecimento. As festas religiosas, tradicionais do município, cada vez menos trazem danças locais, como a congada, ou músicos,
como os violeiros. Na sua visão, porque não valorizamos o que é nosso?
FDA: Bom, acredito que esse tipo
de “descaso” não é uma exclusividade paraibunense. Quantas não são as cidades
que sofrem do mesmo mal? Na verdade, somos ensinados a desejar o que está
longe, a valorizar o que ainda não temos. É uma tendência que é fortemente
estimulada pela sociedade de consumo e que tem tido consequências nefastas nas
nossas relações com nossas comunidades e com nossa herança cultural.
O lado positivo, acredito, é que
o desejo pelo que não temos, essa necessidade do distante, são plenamente
ilusórios e as pessoas vão acabar percebendo isso uma hora ou outra. Por outro
lado, temos também que incentivar as pessoas a aprender a olhar de outra forma
para sua herança cultural. Ela é algo tão ruim assim para que queiram de
imediato descartá-la em troca dos modos de vida que chegam de longe? E nesse
ponto, os que trabalham com o patrimônio precisam reconhecer que temos também
grande parte da culpa por tornar a cultura herdada algo tão pouco atrativo, pois
o patrimônio ainda é defendido por muitos como se fosse algo sagrado, solene, o
altar perante o qual devemos nos ajoelhar. E não é, pelo contrário! Se ele é
algo tão gratificante de se envolver é justamente por aceitar bem todos os
tipos de respostas que nós lhe damos, até as jocosas.
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O caso dos azulejos foi positivo |
SI: Você acompanhou o caso dos azulejos da Igreja Matriz em 2011, quando alguns cidadãos paraibunenses se manifestaram contra reformas
na fachada da igreja, alegando falta de cuidado com o valor histórico?
Como você vê o caso?
FDA: Sim, acompanhei. Acredito
que embora esse episódio tenha gerado atritos com a Paróquia e com a
Prefeitura, foi algo muito positivo para a cidade. Por mais que queira
enfatizar aqui os aspectos construtivos do patrimônio cultural, não podemos ser
ingênuos e achar que a preservação é uma ideia tão boa que todos vão concordar
de imediato com ela. Nem é preciso. Ela só precisa ser boa o suficiente para
que haja alguns dispostos a defendê-la. E aí, é preciso bater o pé e ir para a
disputa. E não importa muito se, vez ou outra, nosso lado perca; a cidade
sempre ganha.
SI: A conclusão do episódio dos azulejos foi a criação de
um conselho de reforma dentro da igreja e um conselho municipal de patrimônio
histórico. Embora este último não tenha realizado uma reunião desde então, e
esteja ocupado apenas por servidores públicos ou equiparados, sem representação
da sociedade, como o cidadão pode atuar na defesa do patrimônio cultural? Como
conscientizá-lo?
FDA: O cidadão não vai se
envolver com a preservação enquanto nós continuarmos a restringi-la à sua face
“intelectualóide” e puramente estética. As “questões culturais” vistas desse
modo são sempre tidas como um desatino, algo supérfluo. E continuarão sendo
assim consideradas enquanto não começarmos a mostrar que não se trata apenas de
um interesse intelectual ou estético, mas sim de um modo de melhorar nossa
qualidade de vida, de influir nos destinos de nossas cidades, de construir um
bom futuro para todos.
SI: Paraibuna está ficando feia com a derrubada de seus
casarões e imóveis antigos na área urbana?
FDA: Não se trata de argumentar
se está ficando feia ou bonita. Até porque se tratam de conceitos relativos.
Mas posso afirmar que está ficando mais pobre. Explico-me: não podemos negar ao
futuro a chance de existir, ou seja, nós temos que dar chance para beleza
continuar a se renovar nas nossas cidades por meio de novas e boas construções.
Mas, ao mesmo tempo, temos que manter os antigos edifícios de pé, pois eles
exercem um papel fundamental em impedir que nossos ambientes urbanos (por menor
que sejam!) caiam na mesmice. Hoje sabemos que mais importante que dispormos de
uma cidade bonita ou feia, é termos uma cidade diversa. Quero dizer, quando
estamos falando de um centro urbano, a melhor medida da beleza é sempre a
diversidade. Assim é preciso saber conciliar as duas coisas, o que é plenamente
possível.
SI: Na Fundação Cultural, por meio da Comissão de Arquivo
e Patrimônio Histórico, começa-se a articular a necessidade de um prédio onde a
cidade possa alocar e expor objetos e documentos com valor histórico, o qual
futuramente pode vir a se tornar um museu. Qual a importância dessa iniciativa?
FDA: É uma iniciativa de grande
valor. Em primeiro lugar, existe a necessidade da cidade de Paraibuna dispor de
um prédio apropriado para guardar seu acervo de documentos históricos, que tem
enfrentado diversos descaminhos nos últimos anos. Além disso, em todos os
países republicanos que se prezem, a primeira geografia que se revela, a
primeira história que se narra às crianças pequenas, são as da sua cidade. Isso
revela a importância de toda a cidade ter um espaço dedicado não apenas aos
fatos e nomes do passado, mas um lugar em que os cidadãos possam desenvolver um
olhar afetivo e curioso sobre o lugar em que vivem.
SI: Paraibuna é chão caipira, como diz o slogan da
cidade?
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Há capelas de Santa Cruz bonitas e bem cuidadas. |
FDA: Como tentei dizer acima, a
visão de alguém de fora só vai até certo ponto. Acredito que mais importante do
que a opinião de um paulistano que mora em Campinas como eu é a opinião dos
próprios moradores. Mas para mim, Paraibuna tem sim uma valiosa cultura caipira
residindo em seus bairros rurais. Há capelas de Santa Cruz que fazem você
querer ser batizado de tão bonitas e bem cuidadas. Mas Paraibuna tem também uma
juventude hiperconectada, por dentro de movimentos como o Fora do Eixo. São
jovens que tem, inclusive, trabalhado conjuntamente com o pessoal ligado à
cultura caipira. Assim, antes de dar um peso muito grande a um simples slogan,
prefiro dizer que Paraibuna é chão. E chão firme, capaz de suportar o que quer
a cidade escolha para si.
SI: Que medidas deveriam ser adotadas pela sociedade paraibunense
e Poder Público para a preservação do nosso patrimônio?
FDA: Um primeiro passo seria
tornar o conselho municipal representativo e operante. Um conselho ativo é um
ótimo espaço para realizar e reverberar os debates do patrimônio dentro do
município. É um modelo que tem dado certo em muitas cidades. Além disso, é preciso,
como disse, não separar a preservação do patrimônio das questões mais gerais da
cidade como um todo. E a esfera municipal hoje é muito mais aparelhada para
isso do que os órgãos de preservação como o CONDEPHAAT e o IPHAN. Desde a
criação do Estatuto da Cidade, em 2002, os municípios têm múltiplos
instrumentos à sua disposição para pensar essas questões conjuntamente, o que
aumenta muito as chances de sucesso de políticas preservacionistas. E ainda que
Paraibuna não apresente dinâmicas urbanas tão complexas como as de cidades
maiores, são ferramentas que podem ser muito uteis nas resoluções dos problemas
da cidade. Tais questões precisam ser debatidas agora, pois, com a duplicação
da Tamoios, pode se repetir o impulso demolidor que assolou a cidade na época
da primeira ampliação da estrada, na década de 1960. E – talvez o mais
fundamental – tem que se mostrar que não se está causando todo esse barulho por
nada. Pelo contrário, é uma boa briga. Das melhores que há.
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